Se, nesta quinta-feira, uma das casas do bairro do Jabaquara, Zona Sul de São Paulo, fizer mais barulho do que o habitual, com o restante da vizinhança mais calada, pode apostar: a gritaria virá da Sociedade Croatia Sacra Paulistana. Estamos falando de um clube dedicado à comunidade croata no Brasil. Um grupo que se vê diante de uma situação especial, com o país nativo e o adotado se enfrentando no jogo de abertura da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014.
Com seu nome estampado em letreiro bem ao topo de um prédio de dois andares, na avenida General Waldomiro de Lima, a sede da associação já tem potencial para chamar a atenção de qualquer transeunte. Desde o último dia 6 de dezembro, após o sorteio dos grupos da Copa, o prédio e o sobrenome dos que o frequentam despertam ainda mais curiosidade naqueles que aguardam com ansiedade a estreia  da Seleção, na cidade. “A Croácia agora está em evidência. Você acaba sendo notícia, as pessoas começam a notar que é descendente”, diz ao FIFA.com Deborah Ivko, frequentadora do clube desde a infância.
Mas não fica por aí, acreditem. O interesse especial pela Croácia  – ou especificamente sobre seu futebol – pode invadir até mesmo as salas diplomáticas. “Isso tem sido parte das conversações sempre”, afirma ao FIFA.com o embaixador do país no Brasil, Drago Štambuk, também poeta com mais de 40 obras publicadas, durante sessão de autógrafos de seu mais recente livro, Céu no Poço. “Sabemos que o Brasil é louco por futebol, mas não acho que a Croácia esteja tão longe assim. Essa obsessão de ambos é algo que casa bem.”
A-pren-den-do
Quando o Secretário Geral da FIFA, Jêróme Valcke, abriu a bolinha no centro do palco especial montado na Costa do Sauípe, e a notícia correu entre a comunidade, dá para se imaginar as reações conflitantes da colônia. De um lado, a festa por reunir, após 2006, suas duas pátrias. Do outro, para aqueles que pendem para o lado croata, ter de enfrentar de cara um dos favoritos ao título não é tão interessante.
Da parte do embaixador Štambuk, contudo, não espere receio nenhum. “Fiquei encantado. Algumas pessoas têm medo pelo fato de ser contra o principal favorito. Mas para mim não pareceu tão mal assim. A pressão é do Brasil”, diz. “Somos um país pequeno, mas jogamos um bom futebol. Temos jogadores fantásticos como Modric, Rakitic, Mandzukic e outros.”
Mario Mandzukic, suspenso, não joga contra o Brasil. Os dois meio-campistas citados, por outro lado, estão liberados. E esses são nomes com os quais os brasileiros menos ligados no futebol europeu vão assimilando na marra. Mais ou menos como na infância de Deborah Ivko. “Por ser um sobrenome diferente, sempre tive de soletrar para as pessoas acertarem. Toda vez que terminava de falar o nome, me questionavam da onde era minha ascendência. Quando ouviam, aí eu tinha de explicar o que era o país.”
Na torcida
Bom, não era o mesmo país do qual seu pai, Milan, havia fugido: a antiga Iugoslávia. Ele se foi em 1958, oito anos depois da fundação da Croatia Sacra Paulistana, clube que hoje conta com cerca de 200 sócios. Um espaço para se relembrar a história de antepassados e confraternizar com as novas gerações.
Nesta semana, agenda cheia: festa junina, exibição de filme, o lançamento do livro do embaixador e, claro, a preparação para o jogo. Na quinta, o clube abre às 13h e espera receber em torno de 150 pessoas. Na sexta, quitutes e bebidas da pátria-mãe serão preparados em coquetel com a presença do primeiro ministro Zoran Milanović.
Este é um dos focos da comunidade, mas haverá outros espalhados pelo país, ainda mais com milhares de turistas chegando a São Paulo. No total, estima-se que a colônia tenha em torno de 50 mil, abaixo de Chile e Argentina. Entre eles, Renato Oliveira, neto de uma croata, mas que não carregou o sobrenome Knežević. Não importa: diz que, entre seleções, é Croácia – nos clubes, optou pelo São Paulo.
E como explicar para os amigos? “Achavam um pouco exótico”, relembra. Difícil saber o que diriam sobre os planos do paulistano – abortados, é verdade – de vender um carro e viajar à França de última hora, em 1998, para ver a sensação da Copa daquele ano. “Quase fiquei doente com aquele time.”
Deborah não chega a assumir um lado. “O Brasil já tem um peso, já foi pentacampeão. Então ninguém vai ficar chateado se eu quiser que a Croácia ganhe, né?”, ri. “Não vou dizer que vou torcer pela Croácia. Se der um empate já vai estar de bom tamanho”, completa, tão diplomata quanto Drago Štambuk, que tem um palpite: 1  a 1. Mas não só isso: o gol croata, para ele, teria de ser... brasileiro? “Poderiam marcar um dos dois naturalizados, Eduardo da Silva ou Sammir.”