Alvo de acusações de uma CPI articulada por deputados da bancada ruralista e da extrema-direita, movimento é premiado internacionalmente por contribuir para a segurança alimentar, a saúde, o meio ambiente e a economia
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Fundado em janeiro de 1984, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está prestes a completar 40 anos de luta por terra, teto e trabalho, direitos assegurados na Constituição Federal. Novamente alvo de acusações de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), articulada por deputados da bancada ruralista e da extrema-direita, o MST não se intimida e considera uma nova oportunidade para demonstrar a legalidade e os benefícios da Reforma Agrária para a segurança alimentar, a saúde da população, o meio ambiente e a economia do país.
Uma das principais contribuições desse movimento popular para a sociedade brasileira é o compromisso de produzir alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e outros venenos amplamente utilizados pelo agronegócio, cujos interesses são defendidos pela CPI. Organizado em 160 cooperativas, 1900 associações e 120 agroindústrias nos assentamentos, o MST conta com 450 mil famílias assentadas, em 24 unidades da federação, que conquistaram a terra por meio da luta e organização dos trabalhadores rurais.
O Movimento desenvolve a cooperação agrícola como um ato concreto de ajuda mútua para fortalecer a solidariedade, potencializar as condições de produção das famílias assentadas e melhorar a renda e as condições do trabalho no campo.
“Defendemos o cumprimento da Constituição Federal (que o bolsonarismo tentou rasgar em 8 de janeiro) na sua integralidade, inclusive no que diz respeito ao cumprimento da função social da propriedade. Tal princípio atende a critérios produtivos, ambientais e trabalhistas e devem ser combinados. Portanto, segurança jurídica se alcança ao se cumprir a Constituição. As famílias Sem Terra acampadas fazem a luta digna por terra, teto e trabalho, direitos assegurados na Carta Magna”, diz comunicado divulgado pelo MST na semana passada, logo após a reunião de instalação da CPI.
“Portanto, sabendo que nossa luta é justa e que, nesta CPI, não somos nós os criminosos, dela participaremos para apresentar a Reforma Agrária que o Brasil precisa. Nesta comissão, contaremos com a solidariedade não somente de valorosas e valorosos parlamentares, mas também com o apoio de toda a sociedade. Juntos, iremos superar mais uma tentativa de criminalizar nossa luta. A CPI passará, a luta do MST seguirá! Venceremos!”, acrescenta a nota.
Produção diversificada
O MST tem muito para mostrar de suas práticas agroecológicas. No Nordeste, por exemplo, são articulados 32 arranjos de cadeias produtivas, uma agricultura extremamente diversificada, que envolve mais de 76 mil famílias assentadas, organizadas em mais de 60 cooperativas. Elas trabalham na produção de frutas (banana, cacau, caju, coco, etc), pecuária (suínos, bovinos e caprinos), mel e farinhas. No extremo sul da Bahia, 2600 hectares que antes eram improdutivos hoje são utilizados na produção de Cacau Cabruca, com a preservação da floresta e geração de emprego e renda para as famílias.
No Rio Grande do Sul, os assentamentos somam 3000 hectares plantados com arroz orgânico. A média anual de produção das mais de 400 famílias é de 25 mil toneladas (na última safra, frente à seca enfrentada, foram colhidas 15 mil toneladas).
Em março deste ano, o MST reuniu, em Viamão (RS), cerca de 4 mil pessoas na 20ª edição da Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, para celebrar a maior produção de arroz orgânico da América Latina.
A cidade de Viação, situada na região metropolitana de Porto Alegre, abriga o assentamento Filhos de Sepé, onde 375 famílias têm como base de produção a agroecologia. Além de assentados de todas as regiões do estado, o evento reuniu lideranças, autoridades e apoiadores – nacionais e estrangeiros – da política de Reforma Agrária. Entre os participantes estavam o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAF), Paulo Teixeira (PT), e o ex-governador do Rio Grande do Sul Olívio Dutra (PT).
O MST é responsável, há mais de dez anos, pela maior produção de arroz orgânico da América Latina, conforme o Instituto Riograndense de Arroz (Irga). A estimativa é colher mais de 16 mil toneladas na safra 2022/2023, em uma área de 3,2 mil hectares, segundo levantamento do Grupo Gestor. A produção, que envolve 352 famílias e sete cooperativas, ocorre em 22 assentamentos localizados em nove municípios das regiões Metropolitana, Sul, Centro Sul e Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. As principais variedades plantadas são de arroz agulhinha e cateto.
Feijão
Já nos assentamentos das regiões Sul e Sudeste, o MST tem como marca a produção de feijão, sendo os estados de São Paulo e do Paraná os principais produtores. A produção enfrenta sérios desafios, e os produtores cobram a retomada das políticas de apoio, como assistência técnica, créditos e comercialização.
Leite
Na região Sul do Brasil e em São Paulo, 14 cooperativas organizam 5500 famílias produtoras de leite. Os laticínios, juntos, beneficiam 37 milhões de litros de leite por mês, que são destinados aos mercados institucional e convencional. O leite beneficiado por esses laticínios alimenta cerca de 3 milhões de pessoas (considerando o consumo de 166L/hab/ano no Brasil).
Café
Em seis estados brasileiros (RO, BA, ES, MG, SP e PR), 5 mil famílias assentadas e acampadas em 120 territórios da Reforma Agrária, localizados em 50 municípios, produzem cerca de 300 mil sacas de café conilon e arábica por ano. Cooperativas no Espírito Santo, Minas Gerais e no Paraná beneficiam 30 mil sacas. Em Minas Gerais e na Bahia, o destaque é a produção de café agroecológico, sem o uso de adubos químicos ou agrotóxicos e com o apoio da Esalq/USP na implantação e acompanhamento.
Doações
O MST também é conhecido por seu engajamento em causas sociais, principalmente no socorro a quem tem fome. As doações de alimentos a pessoas necessitadas foi reforçada pelo Movimento durante a pandemia da Covid-19. Com o lema “Cultivando Solidariedade Sem Terra”, logo no início da crise sanitária, o MST construiu uma agenda nacional de ações contra a fome e a insegurança alimentar, em parceria com diversas organizações e entidades. Essa mobilização, inclusive, impulsionou a Frente Nacional Contra a Fome e a Sede, um trabalho de base permanente presente nas comunidades de todo o Brasil, com a consolidação das dezenas de Cozinhas Solidárias, Bancos Populares de Alimentos e Hortas Comunitárias.
Houve também a formação de mais de 2 mil Agentes Populares de Saúde, que estiveram na linha de frente de todas essas articulações em conjunto com as famílias em situação de vulnerabilidade.
Por meio dessa organização popular, foi alcançado o marco de mais de 7 mil toneladas de alimentos doados a pessoas carentes, acompanhados de uma série de ações de cuidados, com orientações e conscientização sobre a prevenção e o combate à Covid-19, além da distrubuição de mais de 50 mil máscaras de proteção.
O deputado federal Paulão dos Santos (AL), um dos oito representantes do PT na CPI do MST, destacou as ações solidárias dos Sem Terra, durante entrevista, nesta terça-feira (23), ao Jornal PT Brasil.
“O MST, os movimentos agrários, têm e tiveram uma função, primeiro uma função social muito forte e destacada que foi na pandemia, uma pandemia que atingiu o mundo, paralisou o mundo, naquele momento você não tinha vacina. E o MST teve uma visão solidária, importante, da sua produção, de pequenos agricultores, ter a solidariedade a quem, naquele momento, passava fome”, disse o deputado.
“O MST, inclusive, hoje, já tem referência, em nível internacional, de uma produção orgânica, que é referência para o mundo; o que ele produz, inclusive, não consegue dar resposta, porque o nível de pessoas que querem comprar é acima da sua produção e que serve de exemplo, inclusive, para o agronegócio, que muitas vezes está utilizando venenos, está fora do padrão internacional”, acrescentou Paulão.
Dados ambientais
Além de produzir alimentos saudáveis, o MST tem uma importante atuação ecológica. Plantou 10 milhões de árvores em todo o Brasil, nas áreas familiares, áreas coletivas, escolas do campo, cooperativas, associações e nos municípios onde o Movimento está inserido. Além disso, criou 300 viveiros de mudas nativas e frutíferas, que podem ser plantadas e doadas.
Ao todo, são 10 mil hectares de agroflorestas e quintais agroflorestais em todos os Biomas. Essas áreas estão associadas a importantes cadeias produtivas, como cacau, açaí, café, mel, frutas, castanhas. Há também 1500 hectares em restauração ambiental (áreas de recarga hídrica e APP), em áreas atingidas pelos crimes da Vale na região do Rio Doce.
Prêmios
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra goza de grande reconhecimento, dentro e fora do país, pela histórica defesa da dignidade da população brasileira. Esse prestígio é traduzido em diversos prêmios, nacionais e estrangeiros, que foram concedidos ao MST.
Prêmio Rei Bauduíno- É concedido por uma fundação independente e pluralista com sede em Bruxelas (Bélgica), cujo objetivo é servir a sociedade. Criado em 1976, para marcar o 25º aniversário do reinado, seu principal objetivo é contribuir de forma duradoura para a justiça, a democracia e o respeito pela diversidade. Segundo organizadores, o prêmio foi concedido ao MST “pelo papel essencial na atuação para pôr em prática a reforma agrária no Brasil, permitindo, por intermédio do retorno à terra, dar aos menos favorecidos um novo projeto de vida”.
Prêmio Right Livelihood (ou Prêmio Nobel Alternativo)- A premiação homenageia anualmente projetos e pessoas que mostram “soluções práticas e exemplares” para questões sociais urgentes. Von Uexküll sempre criticou o comitê do prêmio Nobel oficial, por este ignorar muitos conhecimentos e méritos em setores alternativos, considerados importantes para a sobrevivência da humanidade. Por isso, no final da década de 1970, destinou um milhão de dólares de seu patrimônio pessoal à abertura de uma fundação que viesse a preencher esta lacuna. O prêmio é concedido desde 1980, sempre em dezembro, a três personalidades ou projetos.
Prêmio Itaú-Unicef “Educação e Participação”- Criado em 1995, em um contexto de mudanças sociais na perspectiva da garantia de direitos, o Prêmio Itaú-Unicef tem como objetivo identificar, estimular e dar visibilidade a projetos realizados por organizações da sociedade civil e escolas públicas que contribuem para garantir o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens brasileiros em situação de vulnerabilidade social. O programa “Por Uma Escola Pública de Qualidade nas Áreas de Assentamento”, realizado pelo MST nos assentamentos de reforma agrária, beneficiou 35 mil crianças com incentivos à frequência escolar, e 1400 professores em 17 estados, com cursos de capacitação pedagógica e técnica em cooperativas.
Prêmio “Acampa – Pela Paz e Direito ao Refúgio”- Em reconhecimento internacional pela defesa dos direitos humanos, o MST foi o mais votado por um juri online. De acordo com os organizadores, o Movimento é uma referência na defesa dos Direitos Humanos, em especial durante a pandemia, e hoje se constitui enquanto uma das maiores organizações sociais mobilizadas em todo o mundo.
Prêmio Esther Busser Memorial- É idealizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência multilateral da Organização das Nações Unidas (ONU), e tem como objetivo prestigiar organizações de luta por justiça social, com foco na regulação do trabalho, especialmente no âmbito das normas trabalhistas internacionais. O nome do prêmio é uma homenagem a Esther Busser, defensora incansável dos direitos dos trabalhadores. O MST é reconhecido por ser uma organização política que tem atuado na garantia de condições dignas de vida e de trabalho para o povo brasileiro, através da história de centenas de milhares de trabalhadores rurais, que dedicam suas vidas na luta pela Reforma Agrária e pela democracia no país.
Da Redação
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