quarta-feira, 5 de outubro de 2016

ENTREVISTA LUIZ FREITAS “Agenda dos reformadores empresariais pode destruir a educação pública no Brasil”

Um processo em curso, encabeçado por grupos empresariais que procuram constituir-se como “reformadores”, pode vir a alterar profundamente a estrutura da educação pública no Brasil, por intermédio da privatização da gestão (a exemplo do que já ocorre na saúde) e pelo avanço de práticas de natureza mercadológica, como a competição entre escolas. Trata-se da lógica do capital, abrindo brechas por meio de institutos e fundações privadas em todas as esferas de governo, até mesmo no Ministério da Educação (MEC). Quem faz a advertência é o professor Luiz Carlos de Freitas, diretor da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

 A interpretação enviesada dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos, mais conhecido pela sigla PISA — um sistema que mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de leitura, matemática e ciências — tem sido um dos instrumentos principais empregados por grupos de reformadores empresariais como “Todos pela Educação” e “Parceiros da Educação” para justificar seus projetos. 

O PISA é realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “herdeira do Plano Marshall”, nas palavras de Freitas. O Plano Marshall foi um programa econômico de recuperação dos países europeus devastados pela 2ª Guerra Mundial, concebido e executado pelos Estados Unidos da América (EUA) a partir de 1947, e foi fundamental para a hegemonia econômica norte-americana. A OCDE, na época “Organização para a Cooperação Econômica Europeia”, foi criada para coordenar o Plano Marshall. 

Os resultados obtidos pelo Brasil no PISA levam esses reformadores empresariais a defender a necessidade de mudanças profundas no sistema educacional brasileiro. Na visão do professor Freitas, essa rede de grupos empresariais é bem articulada, envolve desde a cooptação de profissionais da educação para respaldar suas ações, passando pelo convencimento da sociedade civil por meio da mídia, até a introdução de seus representantes em equipes de governos (municipais, estaduais e federal), de modo a lidar diretamente com a definição de políticas públicas de educação. Na esteira desse projeto de reforma segue a “indústria da educação”, composta por empresas que prestam serviços de avaliação da qualidade de ensino, de consultoria, de gestão (de escolas) e de apostilamento de conteúdo aplicado aos alunos. 

Freitas, contudo, desconstrói o discurso dos “reformadores empresariais” brasileiros, pois nos Estados Unidos (EUA), onde as políticas propostas por seus congêneres vigoram há três décadas, a qualidade de ensino permanece estagnada, e o sistema público foi, segundo ele avalia, destruído. 

“Nova Iorque publicou agora a avaliação de 18 mil professores no jornal da cidade, com nome e tudo. A idéia é desmoralizar o professor. Fragilizá-lo. Isso é um pacote que inclui também o apostilamento das redes, que é outra indústria, fortíssima, que fornece apostilas para as redes”. O desdobramento desse tipo de visão é que, para seguir apostilas em salas de aula, não há necessidade de professores muito capazes: “Não entendem o professor como profissional, mas como um tarefeiro, pode até ser um tutor, nem precisa ser professor. Para isso, então, se tiver uma pessoa movida a bônus e uma apostila, é o suficiente. Acredito que estamos vivendo um processo que, se prosseguir, vai destruir o sistema público de educação brasileiro, como destruiu nos EUA”, avalia o professor nesta entrevista concedida a Michele da Costa."


Revista Adusp. O sr. afirmou, em debate sobre o Plano Nacional de Educação (PNE) 2011-2020, na USP, que a educação passou a ser vista pelo empresariado brasileiro como um dos elementos centrais na reprodução do capital, o que levaria os empresários a disputar a agenda educacional e colocá-la a serviço do processo produtivo. Quais são as implicações desse agendamento? Como isso repercute na oferta de ensino pelo poder público? 

FREITAS. O fato novo nesse processo não é exatamente essa relação entre educação e o processo produtivo, mas a posição que o Brasil está assumindo no contexto internacional. É isso que tem alterado e produzido algum impacto no campo da educação, na medida em que o processo de desenvolvimento passa a contar com maciço investimento produtivo direto no Brasil. Nós tivemos, no último ano, algo na casa dos US$ 67 bilhões em investimentos produtivos que ingressaram no Brasil. Isso, aliado a outros fatores, produz uma atividade econômica mais elevada e que passa a demandar um volume de mão-de-obra em algumas áreas maior do que no passado, melhor infraestrutura (portos, estradas, aeroportos), mas o que interessa no caso da educação mais diretamente é a questão da mão-de-obra. Essa demanda por mão-de-obra aparece como um clamor pela melhoria da qualidade de ensino, mas isso tem que ser visto com cautela. Na realidade, quando os empresários falam em melhoria da qualidade de ensino o que está em jogo é melhorar a relação oferta-procura de mão-de-obra. Significa que se você tem pouca mão-de- obra para uma determinada área, ela custa mais caro; se você tem muita, barateia. Claro que os processos produtivos estão mais complexos e isso também demanda uma melhoria em algumas habilidades típicas do ensino fundamental. Então, quando o empresário fala em melhoria da qualidade de ensino ele está pensando em número de formandos, porque o aumento desse número produz uma redução na massa salarial gasta. Quando há poucos candidatos para uma vaga o salário tende a aumentar. Isso não significa dizer que algumas das pessoas contratadas, quando melhor qualificadas, não possam receber mais. O salário individual até pode ser melhorado, no entanto a massa salarial global é menor. Há estudos sobre isso nos EUA e no Brasil (IBGE), mostrando que nos últimos dez anos no Brasil, na medida em que aumentamos o número de formandos, houve redução da massa salarial paga. Esse processo que estou simplificando aqui, que é mais complexo do que isso portanto, tem muitas outras variáveis, traz uma nova realidade: demandas, pressão sobre os vários níveis educacionais, desde a pré- escola até o ensino superior. Além disso, existem pressões que estão sendo criadas por determinados órgãos internacionais para enquadrar os países em determinadas lógicas de reforma educacional. Hoje uma dessas instâncias internacionais é a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e não é sem razão que se vê que quem agora controla a qualidade da educação no mundo é um organismo ligado aos empresários e não a órgãos tradicionalmente ligados à educação, como por exemplo a Unesco. Quem faz o PISA, Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes, é um organismo controlado pelos empresários, a OCDE, herdeira do Plano Marshall. Que é agora quem nos diz se um país tem qualidade de ensino ou não.

“Essas políticas estão querendo induzir no Brasil que nós acreditemos que nota alta em teste é sinônimo de boa educação. E isso é uma falácia... depende do que se entenda por educação, do que é medido e de como é medido”


 Revista Adusp. E isso já está presente no Brasil?

 FREITAS. Está, porque, se você pegar o Plano Nacional da Educa- ção (PNE) que vai entrar em vigor, vai ver que as metas educacionais do País foram ajustadas segundo expectativas que o país tem em relação ao seu desempenho no PISA, que é organizado pela OCDE. Então, de certa forma, o que o novo PNE vai fazer é oficializar que a OCDE é a instância que certifica a qualidade da educação no Brasil, na medida em que o Brasil será ou não melhor em qualidade de educação ao se aproximar ou não da meta prevista no PISA. Ora, o que essas políticas estão querendo induzir no Brasil é que nós acreditemos que nota alta em teste é sinônimo de boa educação. E isso é uma falácia... depende do que se entenda por educação, do que é medido e de como é medido. Portanto, não há essa relação unívoca entre nota alta e qualidade do ensino, especialmente se pensarmos que a nota é produto de testes em apenas duas disciplinas (português e matemática), quando muito incluiria ciências, e a educação não se reduz apenas a um processo cognitivo, centrado nestas três disciplinas. É muito mais ampla, pretende desenvolver a criatividade, a afetividade, a formação corporal, ou seja, há dimensões outras para nós cuidarmos no desenvolvimento do indivíduo que não se limitam às provas de português, matemática e ciências. Isso é uma parte da formação que esses órgãos internacionais estão vendendo como se fosse completa. Claro, essa situação interessa e satisfaz aos empresários, mas que projeto nós temos para a nossa juventude? Tem de ser muito mais amplo do que aquilo que os empresários querem. Nós podemos até incluir o que os empresários desejam no nosso projeto, mas infelizmente o que está em curso, ao contrário, é a redução dos objetivos da educa- ção ao que apenas os empresários desejam, e isso é inaceitável.

Revista Adusp. O que o senhor está dizendo é que dessa maneira não seria democrático, certo? 

FREITAS. Nada democrático. Essas pressões de caráter econômico, a própria mudança de controle do sistema educacional, esses monopólios montados por essas organizações internacionais estão criando no Brasil uma corrente educativa, uma vertente educacional que nós temos chamado de “reformadores empresariais da educação”, parafraseando educadores norte-americanos que tiveram que cunhar essa expressão para dar conta do mesmo fenômeno que nós estamos vivendo aqui agora e que atingiu os EUA nas últimas três décadas e devastou o sistema público de educação americano. Não é democrático colocar a educação apenas a serviço dos empresários. Há mais agentes na sociedade.

Revista Adusp. Os resultados foram ruins nos EUA? 

FREITAS. Pois é, isso é o que qualquer pesquisador sério deveria se perguntar. Ou seja, se nós temos um país que exercitou durante três décadas essas políticas educativas que agora são veiculadas pela OCDE e outros como a panaceia, que são introduzidas no Brasil em alguns Estados, municípios e defendidas por alguns setores, tanto empresariais quanto educacionais, o que se colocaria como óbvio seria examinar quais foram os resultados dessa iniciativa que já existe neste país desde 1983. É um pouco o que tenho feito. Tenho procurado acompanhar o desenvolvimento disso nos Estados Unidos. Depois de três décadas, desenvolveu-se nos EUA um conjunto de educadores profissionais, pesquisadores que hoje já têm uma posição do que isso causou à educação americana. Isso já está disponível. Já existe uma reflexão nos EUA, que infelizmente os nossos reformadores empresariais não divulgam aqui, mas que precisamos tornar pública para que os formuladores de políticas não pensem que não temos outras alternativas.
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 “Os EUA não apresentam melhoras significativas nas avaliações internas que evidenciem uma melhoria na sua educação. Então, de onde vem a ideia de que se eu importar as soluções americanas (ou chilenas) nós melhoraremos a situação brasileira?”


 Podemos usar a própria lógica que os reformadores empresariais usam para constatar a ineficácia dessas políticas. Já que a OCDE é a meca da qualidade de ensino, como estão os EUA no PISA? O PISA tem dez anos, nesses dez anos os EUA não mudaram sua posição, estão estagnados. Não apresentam uma evolução positiva, seja na leitura, seja na matemática. Se é tão bom assim eles deveriam ter melhorado no PISA, porque a insatisfação nos EUA em relação à educação, até mesmo dos próprios empresários, é grande. Dez anos é um tempo razoável para que essas medidas tivessem surtido efeito. Se considerarmos que foi também nos últimos dez anos (desde 2002) que recrudesceu a política dos reformadores empresariais nos EUA, então já houve tempo suficiente para que os resultados aparecessem. Se não quisermos ficar com a medição da OCDE, podemos pegar o que equivaleria lá à nossa Prova Brasil (o NAEP, que é o indicador oficial da qualidade da educação nos EUA). E não é diferente. Os EUA não apresentam melhoras significativas nas suas avaliações internas que tenham evidenciado uma melhoria na sua educação. Então, de onde vem essa ideia de que se eu importar as soluções americanas (ou da sua sucursal chilena) nós melhoraremos a situação brasileira? No entanto, pode-se constatar que além de não ter produzido melhoria, produziu outros efeitos deletérios lá que não são desprezíveis. Por exemplo, essas medidas destruíram o sistema público de educação americano e o abriram à privatização desenfreada. E aí você gerou uma plêiade de corporações empresariais faturando.

Revista Adusp. Ou seja, nos EUA a educação pública passou a não satisfazer e as pessoas passaram a procurar a iniciativa privada? 

FREITAS. É pior, porque foi uma mudança na própria relação público privado. No Brasil, nós temos uma separação clara entre o público e o privado. Existe o privado, onde o indivíduo constrói a escola, contrata o professor e cobra do aluno. E o público, onde o Estado constrói, paga o professor e mantém a escola. O que observamos nos EUA, na educação básica, é que entre essas duas soluções foi criada uma terceira: a privatização por concessão. É o público gerenciado pelo privado, mas mantida sua condição de público e de gratuidade para o aluno. É uma administração por contrato de gestão, então é a gestão da escola pública que está sendo privatizada, um caminho de privatização aberto por meio das políticas públicas dos reformadores empresariais. Outra modalidade de privatização é o voucher ou cheque-educação, em que o dinheiro é dado ao pai, que escolhe o ensino privado ou público e entrega o cheque para a escola que escolheu. Essa é uma outra linha de privatização forte. Nenhuma dessas alternativas, nos estudos dos pesquisadores norte americanos independentes, mostra que houve uma melhoria na qualidade de ensino. A diferença entre as escolas que permaneceram públicas e as com gestão privada não evidencia consistentemente que as escolas com administração privada são melhores, com o agravante de que essas escolas com gestão privada tendem a escolher alunos, porque elas têm contratos que regem a relação com a criança e com os pais. Como a demanda é maior do que o número de vagas, fazem sorteio, inclusive para compor a sala. Só aí já há um processo de seleção “natural” porque nem todos os pais, principalmente os mais pobres, se dispõem a concorrer. Além disso, elas têm regras, contrato, e podem devolver os alunos para a escola pública, como as nossas escolas privadas fazem aqui. Quando um aluno não vai muito bem, lá pelo meio do ano a escola privada chama os pais e os aconselha a encontrar uma outra escola

Fundamentalmente empresas de avaliação e empresas de consultoria, além das operadoras de escolas charters, via contrato de gestão. Tem uma brincadeira nos EUA com um programa implantado em 2002 e que chamava-se “Nenhuma criança deixada para trás”. Essa lei de responsabilidade educacional americana oficializa a política dos reformadores empresariais nos EUA e, ao mesmo tempo, cria todas as condições para a privatização. Por isso, a brincadeira que se faz com o nome é que pode ser lido como “Nenhum consultor deixado para trás”, porque há um batalhão de consultores envolvidos nas secretarias e escolas. Não produziu os efeitos que se esperava, a melhoria da qualidade educacional, mas produziu muito lucro. Tem muita gente ganhando dinheiro em cima dessa ideia.

Revista Adusp. Aqui no Brasil já existe uma participação grande da iniciativa privada, principalmente nas universidades, então a novidade seria esse novo eixo de prestadores de serviços e talvez até essa oportunidade de concessão. Já existe alguma coisa encaminhada nesse sentido?

FREITAS. A educação infantil já tem sido objeto de operação por concessão, alguns municípios já têm acordo com entidades filantrópicas, ongs, organizações sociais sem fins lucrativos etc., a coisa está pronta para ser operada em todos os ní- veis, embora tenha operado muito mais no ensino infantil até agora. O pessoal da área da saúde já vive essa realidade de operação por concessão, hospitais inteiros são concedidos à iniciativa privada, operados por gestão, então isso tem se desenvolvido no Brasil desde a era Fernando Henrique [Cardoso, ex-presidente]. Todo o aparato jurídico está pronto, mesmo as parcerias público-privadas [PPP’s], está tudo pronto para operar. No mais, o próprio Conselho Nacional da Educação oficializou agora o que chama de Arranjo de Desenvolvimento Educacional (ADE). E esses arranjos permitem que conjuntos de municípios se articulem por recursos provenientes da iniciativa privada e do Estado. Claro que os empresários nesses ADEs insistem que querem pôr dinheiro e não tirar, mas por trás deles existe a indústria educacional que será contratada dentro desses arranjos.

A gente esperava que no Brasil o MEC, sob o governo do PT, estivesse atento a esses processos. Mas, em recente troca, o MEC levou lá para dentro pessoas do ‘Todos Pela Educação’ para ocupar postos importantes, com a responsabilidade pela formulação da política da educação básica” 

Foi o Movimento “Todos pela Educação” que emplacou os ADEs no Conselho Nacional de Educação com o discurso de que não querem dinheiro do Estado — até puseram na lei isso. Por exemplo, o magnata [Jorge] Gerdau, do Grupo Gerdau, assessor da presidenta Dilma e coordenador do “Todos pela Educação”, diz que trabalha para ajudar o governo Dilma mas não quer salário nenhum, que está trabalhando pelo país. Eu acredito, mas ele não está sozinho nisso. Há outros empresários, obviamente, que estão faturando nesse processo pela ampliação de mercado educacional pela via da privatização e prestação de serviços. O caso mais desenvolvido que conheço é o do Estado de São Paulo, onde um conjunto de fundações se organizou para “dar de presente” à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo a consultoria da Mckinsey&Company, uma consultoria internacional que opera em mais de 140 países, em várias áreas, inclusive a educacional, e hoje está lá dentro da Secretaria organizando a política educacional, com pagamento feito por meia dúzia de fundações privadas brasileiras. Então você nota que começam a se estabelecer relações bem pró- ximas entre financiamento privado, doações e o poder público, que aqui no Brasil ainda não se desenvolveu na mesma amplitude que nos EUA.

 Revista Adusp. Neste contexto, qual o próximo passo, caso não haja uma intervenção da sociedade? 

FREITAS. O que a gente esperava é que no Brasil o Ministério da Educação, sob o governo do PT, portanto com uma visão de esquerda, estivesse atento para esses processos e que pudéssemos nos contrapor a essas políticas que estão sendo gestadas, mas infelizmente não é o que temos observado. Em recente troca o Ministério da Educação levou lá para dentro pessoas do “Todos Pela Educação” para ocupar postos importantes, estão hoje com a responsabilidade pela formulação da política da educação básica. Isso é no mínimo preocupante.

Revista Adusp. E com relação às pessoas que estão de fora do governo?

 FREITAS. De fora do governo, eu esperava que as nossas entidades, sindicatos, associações do campo da educação ou de atividades próximas, se organizassem para dar visibilidade quanto aos riscos dessas políticas.

 Revista Adusp. Existe alguma movimentação nesse sentido? 

FREITAS. Muito precária, ainda. Nos EUA há pelo menos umas dez entidades organizadas contra essas políticas. No Brasil, as coisas são mais recentes, mas há dois anos, na reunião anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Educação, foi criado um movimento de resistência chamado “Movimento Contra Testes de Alto Impacto na Educação”. Ainda está em fase organizativa, tem procurado trazer essas informações que mostram os limites dessas políticas públicas que estão sendo apresentadas como solução para a educação brasileira, pelos reformadores empresariais. A própria Associação Nacional de Pós-Graduação, a Associação Nacional de Política e Administração em Educação (ANPAE), a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope) e os Centros de Estudos Educação e Sociedade têm feito seminários para análise dessa problemática.

Creio que o próximo número (119) da revista Educação e Sociedade traga um dossiê sobre essa questão, inclusive com balanço sobre a política educacional americana. Aqui no Estado de São Paulo, a Apeoesp-Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo e a Apase-Sindicato dos Supervisores de Ensino do Magistério Oficial no Estado de São Paulo, entre outros, têm feito um esforço muito grande em divulgar críticas a essas políticas. Isso é muito importante porque essas políticas às vezes têm atrativos que precisam ser desconstruídos, muitas vezes podem parecer benefício extra para os docentes, como é o caso dos “bônus” para professores, mas que não contam para aposentadoria, entre outros fatores.

 “Querem copiar para dentro da escola o modelo empresarial: demitir e admitir professores sem estabilidade, como na CLT. O ideal para os reformadores empresariais é poder demitir aqueles que não ensinam segundo os padrões que eles estabeleceram, independentemente das condições de trabalho. Se há estabilidade, não podem” 


Revista Adusp. No seu entendimento, essa agenda empresarial assenta no tripé responsabilização, na esfera da União, meritocracia e privatização, na esfera dos Estados. Em que consistem e como são operadas essas políticas ou conceitos? 

FREITAS. Esses três conceitos, responsabilização, meritocracia e privatização, são tentativas de interpretar a política dos reformadores empresariais, compõem a estrutura dessas propostas. Pela responsabilização você cria uma lógica de que os professores e a escola são responsáveis pelo desempenho dos alunos, com isso encontra-se um culpado para os problemas da educação. A culpa é desviada do Estado para a escola e para o professor. Então é um processo de responsabilização do outro. Os Estados lavam as mãos, muitos não querem nem pagar piso salarial, não cuidam das condições de trabalho e querem que a responsabilidade seja do outro, da escola ou do professor. Esse processo de responsabiliza- ção pode ficar mais grave no Brasil porque temos em tramitação, em comissão especial no Congresso, a nossa Lei de Responsabilidade Educacional (PL 7420/06), que está sendo formulada nesse momento. A gente está com atenção no PNE, mas estamos esquecendo da Lei de Responsabilidade, que tramita na sala do lado (em Comissão Especial da Câmara dos Deputados). Então, por aí poderemos ter surpresas nessa questão da responsabilização. Eu não tenho notado uma participação crítica dos professores e das entidades como deveria haver em relação a essa lei. E você tem a questão da meritocracia, que consiste em entender que o problema educacional se resolve se você implantar o pagamento dos professores por mérito. Isso, basicamente, significa destruir a ideia de que o professor tem de ter estabilidade no emprego. No fim é isso que se quer, copiar para dentro da escola o modelo empresarial, em que você pode demitir e admitir professores sem estabilidade, como qualquer contratação via CLT. Essa é a política global que começa pagando bônus, e evolui para a precarização do trabalho, porque o ideal para os reformadores empresariais é poder demitir aqueles que não ensinam segundo os padrões que eles estabeleceram, independentemente das condições de trabalho. Se há estabilidade, não podem. Nova Iorque publicou agora a avaliação de 18 mil professores no jornal da cidade, com nome e tudo. A ideia é desmoralizar o professor. Fragilizá-lo. Isso é um pacote que inclui também o apostilamento das redes, que é outra indústria, fortíssima,que fornece apostilas para as redes. A ideia que se tem é que não precisa de um professor muito elaborado para seguir uma apostila em sala de aula, não entendem o professor como profissional, mas como um tarefeiro, pode até ser um tutor, nem precisa ser professor. Para isso, então, se tiver uma pessoa movida a bônus e uma apostila, é o suficiente. Acredito que estamos vivendo um processo que, se prosseguir, vai destruir o sistema público de educação brasileiro, como destruiu nos EUA.

.  Revista Adusp. O senhor caracterizou o INEP como “uma caixa preta conectada à indústria da avaliação”, capaz de abrigar distorções como a contratação de empresas para fazer cálculos relativos ao ENEM, e denunciou o fato de que, além de não haver divulgação da confiabilidade técnica no processo, as bases de dados utilizadas no ranqueamento não são colocadas à disposição dos pesquisadores independentes. O que precisa mudar no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira? 

FREITAS. Primeiro, precisaríamos avaliar se é esse mesmo o caminho, da avalia ção censitária, que queremos para a educação brasileira. Não sou contra a avaliação, nem contra o monitoramento de políticas públicas, mas ela não precisa ser censitária, atingindo todos os alunos de todas as escolas, porque isso gera ranqueamento. Testes são imprecisos e o ranqueamento é sempre muito problemático. Se você faz o monitoramento da política de forma amostral, impede o ranqueamento e obtém a mesma informação que precisa do ponto de vista da política pública. É isso que a Finlândia faz, avaliações amostrais, e é uma das melhores no PISA — não só por isso, há outros fatores. Avaliar, como faz a Prova Brasil, censitariamente, não é condição necessária para melhoria. Você gasta muito dinheiro, enquanto a avaliação amostral é muito mais barata, não tem o problema do ranqueamento e fornece base para monitorar política pública, avaliar de um ano para o outro como as coisas estão caminhando etc.

 “O ranqueamento produz a concorrência, a disputa, que não é típica da área educacional. O segmento educacional não se comporta como o empresarial, dos negócios, em que a divisão é entre ganhadores e perdedores. Na educação não podemos tratar as pessoas como ganhadores e perdedores” 


Revista Adusp. O ranqueamento não é interessante porque tem margem de erro, e o que mais? 

FREITAS. Também porque produz a concorrência, a disputa, que não é típica da área educacional. O segmento educacional não se comporta como o empresarial, dos negócios, em que a divisão é entre ganhadores e perdedores. Na educação não podemos tratar as pessoas como ganhadores e perdedores. Se você introduz a concorrência na área educacional gera essa necessidade. As escolas não podem ser colocadas em um processo concorrencial, mas sim de colaboração dentro delas e entre escolas. Mesmo comparado enquanto um processo censitário com o que outros países fazem, veremos que no Brasil o INEP não faz divulgação de relatórios técnicos que possam permitir uma avaliação da “saúde” das avaliações que faz. Há critérios técnicos para se “avaliar a avaliação” e nós não conhecemos esses indicadores. Eles não são divulgados. Se você faz um teste, precisa divulgar o índice de confiabilidade desse teste, como ocorre com os exames laboratoriais de saúde. O aluno deveria saber isso. Essas coisas não são transparentes no Brasil. Só farão isso se tiver lei que exija, como nos EUA, onde você tem que divulgar os resultados de uma determinada forma e isso implica, por exemplo, indicar o nível desagregar dados, ou seja, em vez de apresentar uma média nacional mostrar o que acontece com populações específicas. E o INEP não só não divulga esses dados técnicos como também demora muito para processar os testes. Quando os dados chegam à escola, o professor já mudou, o aluno também.

Revista Adusp. No debate com o deputado Angelo Vanhoni (PTPR), relator do PNE, o senhor chamou atenção para o problema da superlotação em sala de aula. Há visões conservadoras na sociedade que vinculam a queda na qualidade do ensino público ao ingresso massivo, no sistema, dos estratos mais pobres da sociedade, já que não haveria como atender com qualidade os enormes contingentes populacionais. Que acha disso? 

FREITAS. É claro que quando se resolve ensinar a pobreza, a coisa muda de figura. Ensinar ricos ou bem posicionados socialmente é mais confortável, porque sabemos que há uma relação entre fracasso e nível sócio-econômico. E nível sócio-econômico mais baixo, em média, tende a estar pior posicionado nas avaliações. Então quando a escola pública foi ampliada em sua base, obviamente os professores tiveram à sua frente uma outra população, o que exige formas diferenciadas de lidar com a questão educacional, exige tempos diferentes de aprendizagem. Nesse aspecto se você superlota a sala de aula, o docente tem mais dificuldade de fazer o acompanhamento das dificuldades dos alunos. Isso é algo que não precisa de nenhum grande estudo, é senso comum. Uma das coisas que faz a Finlândia ser topo nas avaliações internacionais é uma decisão que ela tem de não ter salas com mais de 24 alunos.


“A Finlândia tem salas pequenas, boa formação dos profissionais, não faz testes censitários. Quando perguntamos aos responsáveis pela educação qual é o segredo do sucesso, eles dizem: ‘Nós confiamos nos nossos professores’. A política pública lá é feita com os professores e não contra eles” 


Revista Adusp. Que outros exemplos práticos o senhor teria para que o Brasil pudesse ter uma educação com mais qualidade? 

FREITAS. Há muitas possibilidades que não precisam estar apoiadas nessas políticas dos reformadores empresariais. A Finlândia é um exemplo típico porque está muito bem colocada no PISA e não segue a política dos reformadores empresariais. O que ela tem: salas pequenas, boa formação dos profissionais da educação, não fazem testes censitá- rios. Tem também uma decisão importante. Quando perguntamos aos responsáveis pela educação na Finlândia qual é o segredo do sucesso, eles dizem: “Nós confiamos nos nossos professores”. Ou seja, a política pública lá é feita com os professores e não contra eles. E também temos o Uruguai, aqui pertinho. No PISA, o Uruguai e o Chile são os melhores da América Latina. O Chile segue o modelo americano, mas o Uruguai não, e é melhor em matemática do que o Chile e segundo atrás do Chile em leitura. No Uruguai é proibido divulgar nomes de escolas, professores e alunos que participam dos processos de avaliação. E a educação vai bem.

Revista Adusp. E quando os governos justificam que não conseguem elevar a qualidade da educação porque o custo é muito alto e não podem fazer mais investimentos?

 FREITAS. Tem uma frase, que não me lembro de quem é: “Se a educação é cara, experimente o custo da ignorância”. E precisa de dinheiro mesmo, só pensa o contrário quem tem uma visão estreita da educação. Para alguns, a educa- ção já tem dinheiro suficiente e a questão é melhorar a gestão. Mas educação de qualidade custa, custa caro. Se você tem uma concepção de educação ampla, democrática e exigente, então é caro. Então é preciso 10% do PIB mesmo. Ainda mais para quem tem uma dívida histórica com a educação, como nós: 7,5% vai ser muito pouco, porque o passivo é muito grande.

Fonte; Outubro 2012 Revista Adusp

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